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terça-feira, 21 de abril de 2009

Diário dele. Ausência minha...


"Não sei como começar esta carta, nem sei se ela fará algum sentido, mas preciso de te transmitir tudo o que ficou por dizer, antes que rebente de magoa e de tristeza, antes que os dias se sucedam num absurdo tão vazio e idiota que perca a vontade de viver.

Aceito a tua partida inesperada e a tua fúria. Ambas são justificáveis, mas permite-me deixar-te nestas que serão certamente as ultimas palavras que terás de mim, uma explicação nas folhas de papel que agora te escrevo e que são o único caminho até ti!Ensinaste-me que a verdade nunca é exacta, que cada realidade encerra em si mesma tantas verdades quantas as pessoas nela envolvidas. Por isso sempre preferiste a dúvida ao conflito. Detestas o conflito e nisso és parecida comigo!Nisso e noutras coisas, mas não é para falar daquilo que nos une que te escrevo. Se assim fosse, estaria ao teu lado a dizer-te coisas que já tu sabes, só pelo prazer de te as dizer, como tantas vezes fazem aqueles que se amam, numa doce repetição que fortalece o amor, como quem rega uma planta todos os dias e vê crescer no silencio de um parapeito desamparado e solitário.Mas escrevo-te pela razão oposta, em nome de tudo aquilo que nos separa. Talvez haja mais sentido nas nossas semelhanças do que nas diferenças. Essas, aproximam-nos mais do que tu julgas, porque é da diferença e da complementaridade que nascem as melhores relações. Claro que, para que elas nasçam e cresçam, tem que sobreviver ao conflito, à luta, tantas vezes dura e implacável, mas sempre necessária.

Tenho à minha frente o caderno que te comecei a escrever, uma espécie de diário da minha paixão contida por ti, aquele que nunca quiseste ler, embora me tivesses alimentado a esperança de um futuro longínquo, que um dia talvez pudéssemos partilhar, um projecto de vida futura que nunca passou da minha imaginação ou do teu delírio.

Mas de que vale o amor sem um futuro sonhado, mesmo que nunca se concretize?

Toda a nossa existência tem por condição a infidelidade a nós próprios. Fui muitas vezes na minha vida, infiel aos outros, mas sobretudo a mim próprio, quando recusava a escutar o meu próprio coração. E tantas vezes o fiz que receei tornar-me igual a quase toda a gente, que sobrevive nesse estado de não-existencia, sequer ter a consciência de como e quão fundo nele se pode estar aprisionado.Sem saber nem como nem porque , apesar da minha aparente desorganização caótica, fui mantendo algumas réstias de lucidez que me foram permitindo analisar-me, se não com objectividade, pelo menos com alguma justeza.

Se fosse objecto era objectivo, como sou sujeito, só posso ser subjectivo, não tenho por isso pretensões a alcançar aquilo que nem os deuses nem os homens poderão cingir maior carrasco, posso debruçar-me sobre estas folhas para te falar não da verdade mas da minha verdade, daquele que carrego no coração.
Há muitos anos que aprendi que, se há alguma verdade, ela está no que se sente e assim tenho vivido, até porque entregar a minha existência a outro modo de vida que não seja regido pela franqueza, não faz para mim qualquer sentido.

Olho para trás e vejo com tristeza que os meus erros contaminaram as recordações do tempo em que ainda não os havia cometido e isso faz-me sentir culpado de coisas que não fiz.

O primeiro erro que cometi foi ter-me apaixonado por ti. Não sei ainda hoje explicar o que me aconteceu. É como se de repente tivesse saído de dentro de mim próprio e assistisse ao desenrolar da paixão que crescia desmesuradamente, sem que nada pudesse fazer. Talvez sem quereres ou saberes, tenhas tocado nos pontos cardeais da minha insegurança e deles se tivesse acendido uma luz que segui cego e surdo, como os insectos numa noite deverão à volta de uma lâmpada que alguém se esqueceu de apagar.
Mas o amor é mesmo assim: absoluto, estúpido e tudo menos sensato. Ou talvez me tenha apaixonado apenas pela tua imagem, te tenhas adaptado a um ideal humanamente perfeito, à luz do teu desejo. De qualquer forma, apaixonei-me por ti e esse foi o meu erro primordial, o primeiro de todos , provavelmente o único importante.
Os outros erros nunca se teriam dado se este primeiro não tivesse crescido como uma bola de neve perdida numa avalanche. Não sei avaliar exactamente o que aconteceu, mas também, há tão pouco de exacto na observação dos mistérios mais simples!
O mundo, para cada um de nós só existe na medida em que se confina na nossa vida, naquilo que vemos, sentimos, ouvimos, sonhamos, tememos e acreditamos. E cada um de nós encerra o seu mistério que nem o próprio entende.
É por isso, que seremos espectadores da nossa existência, sofremos quando a vemos caminhar para onde não queremos ir, mas assistimos, impávidos e imponentes ao curso natural das coisas.

O segundo erro, e deste assumo toda a culpa, foi não ter escondido que te amava. Queria-te tanto que pensei que isso Te obrigava a amar-me. Como foi burro e infantil! O amor não se procura. Simplesmente vem-nos parar às mãos e só amamos o que é diferente, mesmo que nos pareça de algum modo semelhante.
Tu tens essa diferença que me cativou. Mas devia ter aprendido a escutar os teus sinais e a decifra-los, antes de me denunciar com os meus, bem menos subtis, bem mais temerários. Sou um guerreiro,...., o meu amor é a minha arma. Quando te foste embora, percebi que a tua porta se tinha fechado para sempre.

O António Lobo Antunes diz que o coração quando se fecha faz mais barulho do que uma porta, e acredita, oiço ainda o barulho do teu silencio, como uma pedra encostada à garganta.

Mas serviu-me para aprender algumas coisas, entre as quais que estar quieto também é uma acção. E ao ficar quieto, consegui parar de sonhar ,e comecei a viver cada dia um atras do outro, a sair à rua e respirar o ar aquecido pela luz do sol como uma dadiva de Deus. Quando sonhamos muito, corremos o risco de deixar de viver neste mundo, passamos para outra dimensão e não raras vezes transportamos connosco aqueles que amamos. E aquilo com que sonhamos, passa a ser o nosso desejo e é em função disso que respiramos, vivemos, adormecemos e acordamos!

Mas, onde vou e o que te quero dizer com as minhas palavras? Ah! É verdade, íamos então na enumeração dos meus erros. Não te sintas tentada a sentir algum tipo de compaixão, lê-me apenas até ao fim, é tudo o que te peço.Só quero que me oiças.
O meu terceiro erro, já te disse qual foi. Caímos num duplo equivoco: nunca acreditaste que eu gostasse de ti e sempre gostei; nunca acreditei que não me amasses e afinal não chegaste sequer a gostar de mim. "No amor, os homens paranóicos e as mulheres obsessivas".... tu não!
Outro dos meus erros foi o de não reconhecer em ti aquilo que eu próprio sou, o que me fez vitima das minhas próprias armas.
Tu és uma sedutora compulsiva e uma jogadora nata. Seduzes para conquistar e jogas para ganhar. Podes nem sempre vencer o jogo da sedução, porque quem seduz também acaba por ser seduzido, quanto mais não seja pelas próprias manobras, mas quando jogas é sempre para ganhar. Foi o que fizeste com todo o que passou pela tua vida, e até com a tua própria vida! Talvez tenha pressentido debaixo da tua capa de calma e tranquilidade, de bonomia e tolerância, uma espirito bélico e implacável, habituada a seduzir , e ter, a controlar e a vencer.
Cá está outro dos meus erros. Não reconhecer na tua personalidade o desejo obsessivo, quase doentio de controlar todas as situações, como se a vida se levasse pela trela e se esticasse ou encolhesse conforme aquilo que mais nos convém ou interessa.

Ao contrario de ti, não jogo para ganhar, nem sequer jogo, porque não sei esperar, não tenho qualquer aptidão para a estratega, não respeito regras nem sigo os tempos. Mas cometi ainda outro erro ao me calar, ao não te ter dito, desde o primeiro instante tudo aquilo que pensava. Sempre achei que o silencio acabaria por estourar com a nossa relação. Acusas-me de falta de sinceridade, mas como podia dizer-te o que sentia? Posso ser pouco frontal, mas não sou como tu, dúbia, indefinida, indecisa, lébil, secreta, manipuladora, subtil no teu jogo, cautelosa nos teus passos, sinuosa e volúvel.
Com o tempo a observar-te e a analisar-te com a mesma militança com que um cientista se atira às provetas. Falta-me a clareza de espirito, por vezes penso tanto que as ideias se misturam numa amalgama disforme e absurda de raciocínios sem fio, mas logo retorno o leme, logo apanho a direcção e volto a estudar-te à lupa, como sempre fazem aqueles que amam quando querem perceber em que é que falharam!É tão fácil julgar os outros!
Como se essa tua postura te desse alguma impunidade. Nada nem ninguém é impune diante dos seus próprios erros. Acabamos sempre por pagá-los de uma forma ou de outra.
Talvez não sintas tudo à flor da pele como eu, que sou todo feito de coração, nem sei porque é que Deus me deu miolos, nunca os uso para as coisas importantes da vida.

Tu és fria, cerebral. Finges os sentimentos como uma criança do cão grande, sem perceber que tudo começa e acaba com os afectos, que o mundo é feito de coisas tão simples e grandiosas como o sexo, o amor, o ódio, a raiva e a saudade que são os instintos mais básicos que fazem o mundo andar, sempre ainda com vontade.O teu cinismo e indecisão em relação ao amor criaram-te uma carapaça da qual nem tu própria te consegues libertar....
Talvez por isso o ‘X’ seja a tua luz, todos temos uma luz que é a nossa luz, aquela que nos guia através dos nossos medos e afugenta os nossos fantasmas. Pensei que fosses a minha, mas agora sei que não, porque a minha luz é grande e sabe perdoar e quando se ama, como diz a ‘Y’, perdoa-se tudo. Não se esquece nada, mas perdoa-se tudo.Não renego o amor que tive por ti, mas não aceito a tua intolerância, a facilidade com que julgas os outros, a leviandade com que me condenaste.Pouco tempo depois da tua partida falei com a ‘Y’ sentia-me tão irremediavelmente só que fiquei por lá meia dúzia de dias a cozer a mágoa e a tristeza de te ter perdido. A ‘Y’ é como tu. Ela tinha falado com a irmã dela e perguntado por ti. A resposta foi inquietante, pouco se sabia de ti, eras do tipo misteriosa.Nas casas antigas não são os fantasmas que nos assustam, mas a possibilidade de, porventura, existirem. Vês aquilo que nos separa? Não te julgo, nem a ti nem a ninguém. Apenas acredito, ou não , nas pessoas....Amei-te de forma desajeitada, arrebatadora e incondicional, sempre querendo e desejando o melhor para ti. O melhor, só tu mesmo poderás encontrar e hoje estou certo que não passa por mim.Não é a dor da rejeição que me magoa, é a dor de saber que nada poderá sobrar deste amor. Que a amizade não tem espaço nem voz entre duas pessoas que desconfiam uma da outra com a facilidade de um inquiridos .Cada vez mais acredito que amar é dar e tudo o que não é dado, perde-se. E que a amizade é talvez a mais bela forma de amor, porque é gratuita e intemporal, não precisa de promessas nem de carne, não se desfaz com zangas nem se desvirtua com o tempo. Mas não te posso dar o meu carinho, o meu afecto, o meu amor domesticado em amizade, se nem sequer tens a grandeza de abrir os braços para a receber.As mulheres demoram algum tempo a transformar um sentimento em pensamento... tu és assim! É no sossego da minha casa , onde só comunico com o mundo exterior o suficiente para me manter vivo que guardo tudo o que sinto por ti. Fechado para o mundo e para os outros, sinto-me cada vez mais só, mergulhado numa escuridão voluntária e estéril que me ampara a vontade e os sentidos.Com a morte deste amor por ti, morre também uma parte de mim, algo cujos contornos não consigo ainda delinear mas com o tempo perceberei, quando a alma apaziguar e as feridas desta minha dor derrotada e passiva sararem, e isso com o teu silencio e a tua mascarada indiferença, acontecerá rápido!


Mas é melhor que nunca mais se cruzem os nossos olhares, é melhor que a palavra adeus seja mesmo essa e não outra. Chegámos ao fim do caminho. A partir daqui todas as palavras seriam inúteis.Nunca saberei até que ponto ages com o coração ou apenas com a cabeça. Até que ponto te entregas ou apenas jogas. Até que ponto sentes e ages, ou apenas observas. E é por nunca ter sabido quem és que um dia te conseguirei esquecer.Sempre disse que as diferenças iriam servir mais para nos unir do que para nos afastar.

Mas agora sei que não. Ao contrario de ti, não sou, nem nunca serei, espectador da minha própria vida...."

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